quarta-feira, 21 de março de 2012

ENTREVISTA COM O JORNALISTA FERNANDO EVANGELISTA


 
Fernando Evangelista é jornalista, mestre em Comunicação pela Universidade de Coimbra/Portugal. Atuou como correspondente da Revista Caros Amigos e cobriu conflitos no Oriente Médio, Europa, Iraque e Líbano. Recebeu o Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos por uma reportagem sobre a questão agrária no interior de São Paulo. 

Existe espaço para um jornalismo comprometido e ético...? Sim, acho que este tipo de jornalismo tem espaço. Não acho que a mídia seja tão inflexível e tendenciosa e manipuladora. Se fosse assim, não teríamos tanta gente boa, fazendo jornalismo de primeiríssima qualidade na grande mídia.
Eu não estou na grande mídia. Resolvi abrir a minha própria empresa. Tenho uma produtora de documentários. Ainda é bem pequena, modesta, mas está caminhando e eu posso escolher os temas que irei cobrir, sem filtros. Isso é muito bom. 

Existe uma saída para se fazer jornalismo pautado na objetividade, neutralidade, verdade e interesse público? Eu não acredito na neutralidade.  Para mim, o exercício do jornalismo é a constante busca pela “melhor versão possível da verdade”, como resumiu Carl Bernstein, um dos repórteres do Caso Watergate, a mais famosa investigação jornalística do século XX.
Quem diz que neutralidade existe são os donos de jornal e os jornalistas mais tendenciosos que conheço. Acredito na transparência. Querem um exemplo de “neutralidade” que testemunhei há pouco tempo aqui em Florianópolis?  
Um estudante, militante do Movimento Passe Livre, foi espancado pela polícia na avenida mais movimentada da cidade. Gravamos esta cena. Em seguida, um estudante jogou uma pedra em um ônibus, mas não quebrou o vidro.
O que saiu na TV?
“Excessos, de ambos os lados, marcaram o segundo dia de manifestação contra o aumento da tarifa do transporte público”. 
Ou seja, isso – para o repórter – é a “neutralidade jornalística”.   É, na realidade, uma grande mentira, uma baita de uma manipulação.
Por isso, não defendo a neutralidade porque ela não existe. Ela é apenas um álibi, como neste caso, para proteger o poder.
Para mim, uma das funções do jornalismo é fiscalizar o poder, seja ele qual for. 

 
Caso queiram aprofundar a discussão segue link abaixo de outros textos do autor:

terça-feira, 13 de março de 2012

A MIDIA ESPETACULOSA

Imagem disponível em: scienceblogs.com.br
Por Paulino Rocha Barbosa[1]
No dia 07 de abril de 2011, o Brasil foi surpreendido com um massacre que chocaria a sociedade pela crueldade com que os fatos se sucederam. Um jovem de 24 anos invade sua ex-escola, no estado do Rio de Janeiro, e dispara contra os alunos, matando 12 e ferindo outros tantos. Desde então o que se viu foi um uma corrida desenfreada da mídia brasileira para cobrir aquele que seria um espetáculo sem igual e de apresentação única na face da terra. Lá estavam os melhores diretores, atores e atrizes e demais profissionais dignos e merecedores de qualquer prêmio de ficção. Tudo perfeito e maravilhoso se o espetáculo anunciado não se tratasse de um fato real e cujos atores e atrizes envolvidos não fossem crianças inocentes que, sem conhecimento prévio de seus papéis e sem a autorização dos pais, se viram atuando diante de um cenário digno dos melhores filmes de guerra.
A relação do massacre de Realengo com uma obra de ficção faz-se necessária para entender a amplitude dada pela mídia brasileira para a cobertura jornalística do massacre ocorrido no Rio de Janeiro. Trata-se de um evento chocante e revoltante que não pode ser ocultado da opinião pública, até mesmo para forçar o esclarecimento dos fatos e tomada de decisões pelos órgãos competentes, possíveis responsáveis e envolvidos no caso.  Contudo, há de se ter certo limite na condução da informação jornalística para que fatos dessa natureza não sejam repetidos por outros fanáticos em busca de alguns minutos de fama como já ocorreu em outros eventos.
Contudo, há de se perceber que a postura apresentada pela mídia na cobertura dos fatos do Rio de Janeiro pode atender a uma ânsia da própria sociedade pela busca do jornalismo espetáculo, dos fatos polêmicos. Segundo alguns autores, vivemos numa “sociedade do espetáculo”, onde o fascínio da vida confunde-se com a própria vida. E é por esse viés que a mídia se utiliza da comoção coletiva para conquistar espectadores e vender seus produtos. E em busca desses objetivos, ética e valores são deixados de lado e o que se vê são invasões de privacidade, quebra de regras, especulações, apelação e uma série de atentados contra o isento e verdadeiro jornalismo.
O fato ganhou tamanha repercussão que forçou as instituições estatais a se manifestarem. Em uma das sugestões anunciadas que vem sendo bastante discutida é a realização de um novo pebliscito para o desarmamento. É importante ressaltar que essa medida já foi avaliada pelos brasileiros em 2002, onde a população disse “não” ao desarmamento. Mas uma vez se tenta resolver os problemas sem atacar as causas. Talvez seja uma atitude do Estado em desviar a atenção para outros focos de discussão e encobrir suas faltas diante dos verdadeiros problemas que podem estar por trás desse sinistro crime. Não se trata de defender o armamento e sim de buscar discutir melhor as causas que levam um ser humano a um ato extremo de crueldade. Até mesmo porque a questão do desarmamento no Brasil envolve uma briga intensa de interesses e que a promulgação de uma simples lei não resolverá o problema da violência e a anulação de fatos como o ocorrido na escola de Realengo. Entendemos que o Estado deverá dificultar ao máximo a acessibilidade de armas por qualquer pessoa, mas deverá, principalmente, concentrar seus esforços nas verdadeiras causas que geram a violência.
Vivemos em uma sociedade “doente”, onde pessoas com o comportamento do Wellington talvez sejam frutos desse contexto caótico. São problemas de toda ordem que esbarram principalmente na falta de investimento do estado em formar e preservar a verdadeira condição humana que é a vida. O nosso sistema educacional, essencial no processo de formação da personalidade humana, encontra-se em crise e pode estar ajudando a formar monstros psicopatas como o autor desse atentado ocorrido no Rio de janeiro. Não se trata de defender as atitudes desse criminoso, mas sim de chamar a atenção da sociedade para uma outra perspectiva que parece ausente nas discussões atuais. Enquanto a população se vê perplexa diante dos aparelhos midiáticos assistindo aos fatos narrados, novos Wellingtons, podem estar sendo formados e que, a qualquer momento, em qualquer lugar, poderá por em prática seus “conhecimentos” com ou sem o auxílio de armas.
Portanto, é preciso consciência para que o ser humano não se torne um mero consumidor de ilusões e reforce o papel sensacionalista apresentado pela mídia em casos como o de Realengo, mas que seja educado a ter uma postura crítica e reflexiva diante dos fatos e que possa auxiliar na mudança de postura do jornalismo brasileiro na construção de uma sociedade mais livre.   


[1]Acadêmico do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Amapá – UNIFAP. Email: paulinobarbosa@bol.com.br . Macapá-AP.