Açaí, o “petróleo” amazônico
O pão de cada dia dos amapaenses, que veio da floresta para conquistar o Brasil e o mundo
COMO NOS VELHOS TEMPOS - Coleta do fruto do açaí, na região do Bailique, é feita pelos ribeirinhos, que vendem o produto para abastecer as amassadeiras e as mesas dos moradores da cidade |
Houve um tempo
em que o Estado do Amapá era conhecido nacional e internacionalmente pelas suas
grandes jazidas de minérios. Foi assim com o manganês, ouro, ferro, e tantos
outros, que ainda alimentam as grandes empresas mineradoras do país e do
exterior.
No entanto, nos
últimos anos, novos produtos vêm ganhando mercado e a adesão de consumidores
nos mais diversos cantos do Brasil e do mundo. Trata-se dos produtos
originários do extrativismo vegetal ou como são conhecidos “produtos da floresta”.
E, entre tantas espécies, destaca- se o açaí, produto extraído de uma palmeira
denominada açaizeiro (Euterpe oleraceae) e que vem deixando de ser ingrediente
exclusivo da alimentação do povo nortista para conquistar a mesa e o apetite de
gringos mundo afora.
Localizado no
Extremo Norte do Brasil, o Estado do Amapá possui uma área de 142.827,897 km².
Desse total, aproximadamente 624.576,28 ha, ou seja, 5% do território amapaense
é recoberto por florestas de várzea, berço perfeito para o nascimento e
desenvolvimento das palmeiras do açaí.
Apesar de todo
esse potencial e ainda contando com um dos menores índices de desmatamento do
país, a produção de açaí no Amapá ainda é pouco desenvolvida. De acordo com o
Instituto Estadual de Florestas (IEF/AP), de todo o açaí que é consumido e
industrializado no estado, 89% provém das ilhas vizinhas pertencentes ao Estado
do Pará. Isso significa que apenas 11% da produção local do açaí, é retirada
das florestas amapaenses. Desse quantitativo, 9% vem dos municípios de Santana,
Mazagão e Macapá, que são os maiores produtores de açaí entre os municípios do
estado.
E entre as regiões produtoras de açaí
do município de Macapá, está o Arquipélago do Bailique, por onde iniciamos
nossa viagem para mostrar o fluxo do açaí retirado da floresta até o momento em
que chega à mesa do consumidor na capital amapaense ou toma outro destino.
O arquipélago do Bailique, distante 150
km da capital Macapá, é formado por sete ilhas e possui uma população
aproximada de 7 mil habitantes, distribuídos em 48 comunidades ribeirinhas,
onde parte desse contingente ainda sobrevive à custa das extensas áreas de
florestas e rios da região. Um local onde verdadeiramente se encontra açaí em
abundância no período de safra que inicia-se em março e estende-se até o mês de
agosto. E foi nesse arquipélago que ouvi, pela primeira vez, o açaí ser chamado
de “petróleo”, numa associação da cor de seu vinho com o combustível fóssil.
A nossa viagem começa na Comunidade São
João Batista, onde somos recebidos por Antonio Barbosa, um senhor de 73 anos de
idade, casado com Dona Tereza e pai de nove filhos. Orgulha-se em dizer que
viveu da pesca e da carpintaria naval. Hoje está aposentado e com todos os filhos
criados. Seu Antonio, já de cabelos brancos, tem dificuldade em se locomover por
conta de seu problema de vista, mas nada que o impeça de nos agraciar com suas
ricas histórias e experiência de vida. É ele que nos relata que o açaí sempre
fez parte da alimentação do povo bailiquiense. Contudo, como diz, “nunca foi um
produto que desse para se ganhar dinheiro, até mesmo porque naquele
arquipélago, cada família tinha o seu terreno de onde retirava o açaí para sua
alimentação, assim não era preciso comprar”. E levar para vender em Macapá
também não era algo que pudesse gerar tanto lucro devido às despesas com o
transporte até a capital. Ele acrescenta ainda que “o açaí era tão
desvalorizado que as pessoas preferiam vender o palmito”, produto extraído do
caule do açaizeiro, o que contribuiu para o surgimento de muitas fábricas de
palmito na região. E mesmo com o baixo preço pago pelo pé do açaizeiro, Antonio
Barbosa afirma que “(...) era a única forma de se ganhar dinheiro com a
palmeira”. E isso acabou gerando um grave problema ambiental para a região,
pois muitas áreas de açaizais do arquipélago foram dizimadas por conta da
extração predatória do palmito.
Hoje Antonio Barbosa vê com bons olhos
a valorização do fruto do açaí, pois ele considera que “o preço pago pelo açaí
na região está fazendo com que os moradores troquem o comércio do palmito pela
venda do fruto”. E isso implica “ganhar dinheiro com o fruto sem ter que matar
a palmeira”, como diz Antonio Barbosa. Garantindo assim, renda ao ribeirinho
por várias safras.
E, conforme pudemos constatar, as
declarações do Senhor Antonio Barbosa são procedentes, pois as fábricas de
palmito estão desaparecendo e as áreas de açaizais estão aumentando cada vez
mais no Bailique. Os proprietários de terras estão repensando a prática de
exploração dos açaizais e inserindo-se em um novo modelo econômico que alia a
exploração da floresta com a preservação de sua flora. Antonio Barbosa relembra
com pesar que nos tempos da exploração do palmito, não eram apenas os
açaizeiros que eram sacrificados, mas sim todo o ecossistema a sua volta. “Os peixes
sumiam, a caça desaparecia... e toda a floresta morria junto”, afirma o ancião.
A mudança de paradigma dos moradores do
Bailique com relação ao açaí é tão evidente que segundo dados do IEF, muitos
proprietários de terra estão implantando o Sistema de Manejo de Açaizais
Nativos em suas propriedades.
Tecnologia na produção do açaí
O Sistema de Manejo de Açaizais Nativos
de Mínimo Impacto, como é denominado, é uma técnica desenvolvida pela Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) no Amapá e que tem como objetivo
aumentar a produção de açaí sem causar impacto à natureza.
Segundo José Leite, engenheiro agrônomo
da Embrapa, o projeto segue duas linhas de pesquisa. “Uma em que o manejo é
feito especificamente para áreas de açaizais nativos de várzea, cuja preocupação,
além de aumentar a produção é conservar a diversidade da floresta. A outra é
voltada exclusivamente para a agricultura do açaí, onde é feito o trabalho de
produção de mudas com melhoramento genético para áreas de Terra Firme”, explica
o engenheiro. De uma forma ou de outra, José Leite afirma que “esse tipo de
tecnologia, além de aumentar a produção do açaí, estende o período de safra do
produto”.
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Mario Marinho - Coordenador Técnico IEF/AP |
Pensando nesta tecnologia como uma alternativa
para aumentar a produção do açaí no estado e diminuir a grande demanda gerada
nos últimos anos, o governo vem incentivando os produtores a aderirem ao
projeto com a oferta de financiamento de recursos e orientação técnica por meio
dos extensionistas rurais e florestais do Instituto de Desenvolvimento Rural do
Amapá (Rurap) e Instituto Estadual de Florestas (IEF), que possuem uma equipe
técnica treinada pela Embrapa para dar suporte ao produtor na ponta da cadeia
produtiva do açaí.
Pelos
estudos do IEF, o Estado do Amapá possui um potencial muito grande para a
produção do açaí orgânico. Nesse sentido, o Instituto vem procurando oferecer
capacitação e fomento aos produtores de açaí que necessitam desse apoio. O
objetivo, segundo Mario Marinho, coordenador técnico do IEF, “é incentivar a
produção do açaí em maior escala com o aproveitamento natural das áreas de
várzea do Estado”. Atualmente o manejo de açaizais já alcançou a quase 50% das
áreas de várzea do estado com treinamento de mais de 1.400 produtores no
período de 2008 a 2011, mas a meta do instituto, segundo o coordenador técnico,
é chegar aos 100% das áreas de várzea manejadas. Para isso, os extensionistas
florestais estão indo até o produtor, através da política de interiorização, montando
escritórios nas regiões onde as demandas são diagnosticadas.
O Sistema de Manejo desenvolvido pela
Embrapa é muito vantajoso, tanto do ponto de vista ambiental porque preserva a
floresta, quanto do ponto de vista econômico. Segundo José Leite, engenheiro-
agrônomo da Embrapa, com a técnica do manejo, a produção de açaí poderá crescer
até 400% a mais do que a produção em condições naturais.
O fluxo do açaí colhido no Bailique
Deixando a companhia de Antonio Barbosa
que, pela sua idade, deixou de tirar açaí há muitos anos, seguimos para uma das
áreas de manejo do Bailique. Pegando carona com Nelton da Silva (32) em sua
montaria, um pequeno barco movido a remo, seguimos rio acima até o açaizal.
VIDA RIBEIRINHA - Nelton da Silva complementa a renda com a venda de açaí. |
Durante a viagem, Nelton nos conta que
trabalha como prestador de serviço de transporte escolar e que nas horas vagas tira
açaí para vender e aumentar a sua renda familiar. É casado, mas ainda não
possui nenhum herdeiro.
De repente, temos que interromper nosso
papo, pois os primeiros cachos começam a surgir pelas copas dos açaizeiros. É o
momento em que Nelton se apodera de sua experiência para colher os frutos do
açaí.
Para retirar os cachos das árvores, o
produtor ou peconheiro, como também é chamado, se serve da própria natureza
para criar os utensílios de que precisa. Com as folhas ou coroatá, parte da
folha seca da palmeira, Nelton faz a peconha, uma espécie de cinta para os pés
que o auxilia na escalada até o cacho. Aí é só contar com a habilidade para
vencer os mais de vinte metros de altura das palmeiras.
E entre subidas e descidas, os cachos de
açaí são amontoados aos pés dos açaizeiros. E quando o peconheiro se dá por
satisfeito ou quando suas condições físicas estão no limite, é hora de parar a colheita
e separar os frutos dos cachos, ou simplesmente debulhar, como é conhecido o
processo na região. Depois é só ensacar a parte que será comercializada e
escolher os frutos especiais que serão transformados em vinho para o almoço ou
jantar. Pelas nossas contas, para encher uma saca de 60 quilos são necessários
em média 12 cachos grandes de açaí.
O açaí é vendido em sacas de 30 ou 60
quilos aos compradores intermediários que escoam o produto para ser vendido na
capital Macapá ou simplesmente vendem diretamente aos compradores do Estado do
Pará, que aportam diariamente na região com seus barcos frigorificados para
comprar o produto e abastecer aquele estado, já que o Pará, no período que vai de
janeiro a agosto, vive a entressafra do açaí.
Os produtores do Bailique estão preferindo
vender a produção diretamente aos compradores paraenses, que pagam melhor pelo produto,
do que vender aos atravessadores ou mandar para a capital, interrompendo assim
o fluxo do açaí produzido no arquipélago que, até poucos anos, era exclusivo do
mercado amapaense. Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento
(Conab), 68,6% da produção do fruto são comercializados através de intermediários.
Apenas 31,4% são vendidos pelo próprio extrativista diretamente aos batedores
de açaí.
Aliás, essa é uma problemática que
precisa ser pensada pelos órgãos públicos. Para que o açaí possa suprir a
demanda com produto de qualidade a um custo acessível à população, é necessário
melhorar a infraestrutura de escoamento da produção, no que diz respeito ao transporte
adequado, eliminação de intermediários e construção de entreposto para a
comercialização do produto. E como o açaí é um produto perecível, o seu
transporte inadequado, como se vê nos barcos que trazem o açaí do Bailique até
a capital, não só prejudica a qualidade do produto como o desvaloriza economicamente.
Seguindo o fluxo do açaí retirado no
Bailique até a capital, acompanhamos a produção do Nelton, que vendida ao
intermediário, segue transportado em um barco, disputando espaço com os
passageiros. Depois de 12 horas de viagem, o açaí é
desembarcado no Canal do Jandiá e vendido aos atravessadores ou
batedores de açaí. Geralmente é esse o açaí que é vendido nas batedeiras que se
espalham pelas ruas e becos da capital e que chega a mesa do consumidor. No entanto,
vale ressaltar que o mercado do açaí hoje no estado não está restrito apenas ao
abastecimento da demanda interna. Muito da produção dos últimos anos vem ganhando
mercado em outras regiões do Brasil e do exterior.
Apesar da disseminação do açaí mundo
afora, Pará e Amapá juntos ainda são os maiores consumidores do produto do
planeta. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o
Estado do Pará consome cerca de 600 mil toneladas de açaí por ano, seguido do
Amapá com 80 mil toneladas. Enquanto que a maior exportadora do produto
mandou cerca de 8 mil toneladas de açaí para o exterior no ano de 2010. Isso
implica afirmar que Pará e Amapá juntos consomem aproximadamente 90% do açaí
extraído no mundo. Os outros 10% alimentam os demais mercados brasileiros e
estrangeiros.
Na linguagem monetária, isso equivale a
dizer que os dois estados brasileiros movimentam cerca de 2,5 bilhões de reais
por ano com o mercado do açaí. Sendo que, especificamente no Amapá são 500 milhões
de reais anuais, o que representa cerca de 2% do PIB – Produto Interno Bruto do
estado.
Quanto à exportação, no Amapá, em 2010,
segundo dados da pesquisa realizada pela economista Cláudia Chelala, o açaí
ocupou o quinto item na pauta de exportação, com US$ 7,6 mi, representando 2,16%
de tudo o que foi exportado.
Esse é um fato que o Senhor Antonio
Barbosa precisa acrescentar no seu vasto repertório sobre a história do açaí e
que o Nelton da Silva jamais imagina que o açaí que ele colhe lá no Bailique
poderá alimentar gringos nos mais diversos cantos do mundo.
Novas perspectivas para o açaí
O mercado internacional do açaí vem
chamando a atenção de muitas empresas exportadoras, como a Açaí do Amapá
Agro-Industrial Ltda (Sambazon) que pertence a um grupo de americanos e que está
instalada no Estado desde 2000, atuando na exportação de polpa de açaí e outros
derivados para o mercado norte-americano. Segundo dados divulgados pela
empresa, a Sambazon exporta uma média de 11 mil toneladas de açaí por ano.
Apesar desse promissor mercado estrangeiro,
o maior volume de exportação do açaí amapaense ainda é, e será por muito tempo,
o mercado paraense. Como a safra de açaí nos dois estados é diferente, as
empresas que aqui se instalam se aproveitam do período da entressafra naquele
estado, beneficiam o açaí aqui no Amapá e depois abastecem o mercado paraense com
a polpa do produto.
E foi pensando nesse período de
entressafra que a Embrapa está desenvolvendo um banco de germoplasma de açaí
que contribuirá para a montagem de um banco de produção de sementes de matrizes
selecionadas capazes de produzir açaí no Amapá na época de entressafra, ou
seja, no verão. Segundo José Leite, “os estudos estão avançados e os primeiros
resultados são positivos”, o que deixa o pesquisador bastante otimista de que nos
próximos 20 anos a produção de açaí no Amapá poderá perdurar o ano inteiro.
Esse é o futuro e o grande desafio que
se coloca para o açaí que já foi comparado ao petróleo por sua cor e que hoje
poderá ganhar um novo elemento nessa relação comparativa que é o seu grande valor
econômico. Só que diferente do combustível fóssil, não renovável, que sangra do
solo e destrói o meio ambiente. O açaí é um combustível natural que nasce do
alto das árvores, não destrói a natureza e não compromete o alimento das gerações
atuais e nem o futuro das gerações vindouras. E que poderá trazer grande
desenvolvimento econômico e social para o Estado do Amapá e ao Brasil, quanto mais
rápido tiver o seu mercado formalmente organizado.
Euterpe Oleraceae - a popular açaízeira, palmeira típica das florestas amapaenses. |