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Era tempo de inverno e a região do baixo Araguari sofria com o mau tempo.
Eram chuvas intermináveis que se prolongavam por semanas. E a enchente
provocada pela invasão das águas salgadas, trazidas pela pororoca, completava o
caos vivido por uma humilde família de pescadores, às margens do indomável
Oceano Atlântico. Já não se podia pescar por dias, pois a bravura do mar
estraçalhava quem ousasse enfrentá-lo. E as poucas gurijubas salgadas estavam
perto do fim. Já não tinham mais pó de café, açúcar e farinha, pois o
isolamento do local e o mau tempo os impediam de chegar até a sede de Amapá para
fazerem compras.
Os dias se passaram até que nada mais restou. Desesperado Seu Bebé, chefe
daquela família, tomou uma importante decisão. Reuniu-se a todos e disse:
- Não podemos esperar o tempo mudar. Estamos sem mantimento e já estamos
passando necessidade. Tenho que sair em busca de comida no mar.
Sua esposa o contestou:
- Mas sair com esse mau tempo é muito perigoso!
Todos os conselhos de Dona Maria foram em vão. Bebé colocou a malhadeira
e o espinhel em seu batelão à vela e sumiu por entre as pesadas chuvas. Apesar
de ser pai de sete meninos, preferiu não levar nenhum deles. Disse: - caso
aconteça algo, a desgraça será menor.
Como a chuva era tanta e o sol estava encoberto pelas nuvens negras,
passava-se o dia todo com as lamparinas acesas para iluminar o ambiente. Sem
outro medidor de tempo que não fosse os sinais naturais, aquela família se
desesperava à medida que a maré secava. Passou-se a noite e nenhum sinal do seu
Bebé. Para consolo daquela família, naquela manhã a praia em frente da casa amanheceu
tomada por uma espécie de animal com casco e patas, nunca vistos antes por
aquelas bandas. Como não se tinha outra coisa para comer e a fome era tanta, as
crianças juntaram os animais e pediram para que sua mãe os cozinhasse. Só que
na hora em que Dona Maria os lavava para por na panela, uma imagem naqueles
pequenos animais abalou suas estruturas emocionais. Logo um grande arrepio lhe
tomou o corpo. Assustada, ficou emudecida e apenas as lágrimas começaram a lhe
escorrer pelo rosto. Não era para menos, ela acabara de reconhecer o corpo de
seu esposo esculpido no casco daqueles animais.
Muito chocada, Dona Maria cozinhou aqueles animais e, para não causar
pânico nas crianças, tirou todos os cascos antes de por na mesa para seus
filhos comerem. Naquele dia, Dona Maria não comeu, pois recusava-se a acreditar
que poderia estar comendo a carne de seu marido. Mas como a fome só aumentava
com o passar do tempo, Dona Maria teve que ceder aos seus credos. E foi graças
aqueles animais que puderam sobreviver àquele tenebroso inverno.
Passado o mau tempo, os filhos de Seu Bebé quiseram sair pelo mar em
busca do pai, mas Dona Maria sabendo que seria em vão, resolveu revelar toda a
história a seus filhos que ficaram arrasados. E para esclarecer toda aquela
situação, Dona Maria mandou chamar o melhor pajé da região para fazer um
serviço em sua casa. Dizem que o espírito de seu Bebé baixou no corpo do pajé e
falou que no dia em que saíra para pescar, seu batelão foi arrasado pela
pororoca e que, em seu último minuto de vida, pediu a Deus que não tornasse sua
morte em vão. Foi então que Deus resolveu transformar o seu corpo em
caranguejos para poder alimentar a sua família.
Graças a esse milagre divino, aquela família sobreviveu e cresceu e hoje
formam uma grande Vila Oceânica com o nome de Sucuriju, distrito do município
de Amapá, que, ainda isolada dos centros urbanos, até hoje sofre com a falta de
investimentos públicos para a melhoria da qualidade de vida daquela população,
principalmente com o abastecimento de água potável e remédios. Mas o legal
disso tudo é que os caranguejos se multiplicaram pelos manguezais da redondeza
e tornaram-se um dos principais alimentos e fonte de renda daquele povo no
período de inverno. Pena que a captura descontrolada da espécie feita por
pessoas não ligadas a comunidade tem provocado a escassez de caranguejos
naquela região nos últimos anos. E para quem não acredita nesta história pegue
um caranguejo da Vila de Sucuriju do Amapá e você verá o corpo de seu Bebé
perfeitamente esculpido em seu casco.
Autor: Paulino Barbosa