O mastro com a bandeira é uma homenagem ao santo padroeiro da comunidade |
A devoção a santo sempre foi
muito marcante nas comunidades que compõem o Arquipélago do Bailique, distrito
do Município de Macapá, Estado do Amapá. Distante aproximadamente 150
Km de Macapá, o Bailique é formado por 48 comunidades que abrigam cerca de 7
mil habitantes distribuídos nas 7 ilhas que compõem o arquipélago. Ainda muito
isolado da Capital Macapá, o meio mais fácil de se chegar até lá é navegando
pelo Rio Amazonas, numa viagem que pode durar até 12 h. E foi esse isolamento
que fez com que as comunidades preservassem, durante muito tempo, seus costumes e tradições locais, passadas de
geração a geração por meio, quase que exclusivamente, oral.
Visitando alguns núcleos
populacionais, notamos que a planta estrutural das comunidades é composta,
basicamente, de casas populares, escola, campo de futebol e uma igreja. Esta
última é elemento integrante e essencial na paisagem comunitária e representa a
religiosidade daquele povo, herança herdada dos colonizadores europeus.
Há alguns anos, cada
comunidade possuía seu santo padroeiro, mostrando o domínio do catolicismo na
região. Com o tempo, novas religiões foram surgindo e dividindo espaço e fiéis
com a antiga religião. Hoje, muitas comunidades já possuem, no mínimo, duas
igrejas, sendo uma católica e uma protestante. E como os núcleos populacionais
estão instalados sempre às margens dos rios, há casos em que em cada margem é
praticada um tipo de religião. E casos em que a predominância de uma religião é
quase absoluta, como as vilas Progresso e Macedonia, onde o catolicismo e o
protestantismo são religiões oficiais, respectivamente. Não se trata apenas de
uma divisão geográfica de espaço, mas de dogmas, comportamento, visão de mundo.
Nos últimos anos, com a nova
geração mais antenada e atualizada aos novos paradigmas da sociedade moderna
parece que a religião vem perdendo um pouco do espaço que ocupava na vida dos
bailiquienses. Mas, houve um tempo em que famílias inteiras participavam de
cultos e festas religiosas. As festas de santo, por exemplo, era o ponto alto
da fé dos cristãos, onde era celebrada toda a devoção dos fiéis aos santos
padroeiros. Dona Tereza nos conta uma história bastante curiosa que ocorreu
entre duas comunidades no Igarapé dos Macacos, e que retrata bem essa antiga
relação dogmática do povo bailiquiense com a religião.
O Igarapé dos Macacos é, na
verdade, um furo que liga o Canal do Marinheiro à Foz do Rio Amazonas. E
próximo a Foz do Rio Amazonas havia a comunidade de Igarapé dos Macacos,
fundada pelo casal Manoel e Rosinda Barbosa, já falecidos, que juntos tiveram
13 filhos. A comunidade crescia à medida que seus filhos foram se casando. Até
o momento em que duas de suas filhas resolveram morar na outra foz do Furo dos
Macacos, próximo ao Canal do Marinheiro. E, ali, distante cerca de 10 km da
outra comunidade, formaram-se novas famílias até constituírem uma nova
comunidade, com o nome de São João Batista. E, como as duas comunidades foram
formadas por descendentes da mesma família, que tinham como devoto o mesmo
santo, eis que surge aí um grande problema, pois só havia uma réplica do Santo
para as duas comunidades.
Ocorre que, por ocasião do
dia de São João (24 de junho), a Comunidade São João Batista resolveu reviver a
antiga festa que era organizada na comunidade de Igarapé dos Macacos e, que há
anos estava esquecida. E, para tanto, solicitaram da matriarca da família a
liberação da imagem do santo para a nova comunidade durante os festejos. Só que
na mesma data, os líderes da comunidade Igarapé dos macacos resolvem também realizar
uma programação em homenagem ao santo. O impasse estava criado. E há menos de
uma semana ouviu-se rumores de que o santo não seria liberado para os festejos
da Comunidade São João Batista.
Com tudo já organizado, não
seria possível realizar uma festa sem a presença do santo homenageado. Foi uma
grande revolta e desespero para a Comunidade São João Batista. Instalou-se um
clima de guerra entre as duas comunidades. E, para aumentar ainda mais a
confusão, eis que o santo desaparece de seu altar. Será que por vergonha da
confusão arranjada pelos seus fiéis? O fato é que para a Comunidade São João
Batista não havia dúvidas de que aquele sumiço seria uma armação da outra
comunidade para não deixar o santo sair da comunidade.
Diversas estratégias foram planejadas
pela Comunidade São João Batista para resgatar o santo. Inclusive com busca no
mato, pelos arredores da comunidade. Agentes secretos foram infiltrados na
própria comunidade para investigar o possível paradeiro do santo, mas nada teve
resultado positivo. Até que, no último caso, a Comunidade São João Batista
apelou a uma empresária da região que, num ato de solidariedade, resolveu doar
a imagem do santo à comunidade. O fato é que, por providencias divinas ou não,
cada comunidade realizou sua festa com o seu santo. O santo sumido reapareceu e
até hoje continua na Comunidade de Igarapé dos Macacos. Dias depois soube-se
que o santo estava o tempo todo escondido embaixo da cama de um dos líderes
daquela comunidade. Por esse fato, este senhor ficou conhecido na região como o
famoso “Esconde Santo”.
Apesar da grande confusão
instalada na época, acusações, ofensas e outras intrigas... Hoje as duas
comunidades vivem em paz, celebrando, cada qual com seu santo, suas convicções
religiosas. Como tem que ser!
Comunidade São João Batista - Arquipélago do Bailique |