quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

CONTOS DA MINHA TERRA: "Esconde Santo"


O mastro com a bandeira é uma homenagem ao santo padroeiro da comunidade


A devoção a santo sempre foi muito marcante nas comunidades que compõem o Arquipélago do Bailique, distrito do Município de Macapá, Estado do Amapá. Distante aproximadamente 150 Km de Macapá, o Bailique é formado por 48 comunidades que abrigam cerca de 7 mil habitantes distribuídos nas 7 ilhas que compõem o arquipélago. Ainda muito isolado da Capital Macapá, o meio mais fácil de se chegar até lá é navegando pelo Rio Amazonas, numa viagem que pode durar até 12 h. E foi esse isolamento que fez com que as comunidades preservassem, durante muito tempo,  seus costumes e tradições locais, passadas de geração a geração por meio, quase que exclusivamente, oral.

Visitando alguns núcleos populacionais, notamos que a planta estrutural das comunidades é composta, basicamente, de casas populares, escola, campo de futebol e uma igreja. Esta última é elemento integrante e essencial na paisagem comunitária e representa a religiosidade daquele povo, herança herdada dos colonizadores europeus.

Há alguns anos, cada comunidade possuía seu santo padroeiro, mostrando o domínio do catolicismo na região. Com o tempo, novas religiões foram surgindo e dividindo espaço e fiéis com a antiga religião. Hoje, muitas comunidades já possuem, no mínimo, duas igrejas, sendo uma católica e uma protestante. E como os núcleos populacionais estão instalados sempre às margens dos rios, há casos em que em cada margem é praticada um tipo de religião. E casos em que a predominância de uma religião é quase absoluta, como as vilas Progresso e Macedonia, onde o catolicismo e o protestantismo são religiões oficiais, respectivamente. Não se trata apenas de uma divisão geográfica de espaço, mas de dogmas, comportamento, visão de mundo.

Nos últimos anos, com a nova geração mais antenada e atualizada aos novos paradigmas da sociedade moderna parece que a religião vem perdendo um pouco do espaço que ocupava na vida dos bailiquienses. Mas, houve um tempo em que famílias inteiras participavam de cultos e festas religiosas. As festas de santo, por exemplo, era o ponto alto da fé dos cristãos, onde era celebrada toda a devoção dos fiéis aos santos padroeiros. Dona Tereza nos conta uma história bastante curiosa que ocorreu entre duas comunidades no Igarapé dos Macacos, e que retrata bem essa antiga relação dogmática do povo bailiquiense com a religião.

O Igarapé dos Macacos é, na verdade, um furo que liga o Canal do Marinheiro à Foz do Rio Amazonas. E próximo a Foz do Rio Amazonas havia a comunidade de Igarapé dos Macacos, fundada pelo casal Manoel e Rosinda Barbosa, já falecidos, que juntos tiveram 13 filhos. A comunidade crescia à medida que seus filhos foram se casando. Até o momento em que duas de suas filhas resolveram morar na outra foz do Furo dos Macacos, próximo ao Canal do Marinheiro. E, ali, distante cerca de 10 km da outra comunidade, formaram-se novas famílias até constituírem uma nova comunidade, com o nome de São João Batista. E, como as duas comunidades foram formadas por descendentes da mesma família, que tinham como devoto o mesmo santo, eis que surge aí um grande problema, pois só havia uma réplica do Santo para as duas comunidades.

Ocorre que, por ocasião do dia de São João (24 de junho), a Comunidade São João Batista resolveu reviver a antiga festa que era organizada na comunidade de Igarapé dos Macacos e, que há anos estava esquecida. E, para tanto, solicitaram da matriarca da família a liberação da imagem do santo para a nova comunidade durante os festejos. Só que na mesma data, os líderes da comunidade Igarapé dos macacos resolvem também realizar uma programação em homenagem ao santo. O impasse estava criado. E há menos de uma semana ouviu-se rumores de que o santo não seria liberado para os festejos da Comunidade São João Batista.

Com tudo já organizado, não seria possível realizar uma festa sem a presença do santo homenageado. Foi uma grande revolta e desespero para a Comunidade São João Batista. Instalou-se um clima de guerra entre as duas comunidades. E, para aumentar ainda mais a confusão, eis que o santo desaparece de seu altar. Será que por vergonha da confusão arranjada pelos seus fiéis? O fato é que para a Comunidade São João Batista não havia dúvidas de que aquele sumiço seria uma armação da outra comunidade para não deixar o santo sair da comunidade.

Diversas estratégias foram planejadas pela Comunidade São João Batista para resgatar o santo. Inclusive com busca no mato, pelos arredores da comunidade. Agentes secretos foram infiltrados na própria comunidade para investigar o possível paradeiro do santo, mas nada teve resultado positivo. Até que, no último caso, a Comunidade São João Batista apelou a uma empresária da região que, num ato de solidariedade, resolveu doar a imagem do santo à comunidade. O fato é que, por providencias divinas ou não, cada comunidade realizou sua festa com o seu santo. O santo sumido reapareceu e até hoje continua na Comunidade de Igarapé dos Macacos. Dias depois soube-se que o santo estava o tempo todo escondido embaixo da cama de um dos líderes daquela comunidade. Por esse fato, este senhor ficou conhecido na região como o famoso “Esconde Santo”.

Apesar da grande confusão instalada na época, acusações, ofensas e outras intrigas... Hoje as duas comunidades vivem em paz, celebrando, cada qual com seu santo, suas convicções religiosas. Como tem que ser!
Comunidade São João Batista - Arquipélago do Bailique

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