Por P. R. Barbosa
Cinco horas da matina é o
horário em que muitas famílias acordam no Bailique, um arquipélago distante 150
km da capital Macapá, Estado do Amapá. E sob a cantoria incessante dos galos
anunciando um novo dia, é hora de levantar da rede, fazer o “moca” e se
preparar para uma nova jornada de trabalho. Mas, na casa de Fabrício e Dinelma,
a rotina não é bem esta. Acordam também às cinco da manhã, mas não é por conta
do relógio biológico e da algazarra dos galos, mas por causa do choro e das batidas
na porta do quarto. É preciso levantar, abrir a porta e dividir a cama com
Pretinha até o amanhecer, pois do contrário ninguém amanhece deitado naquela
casa.
E aos primeiros passos de seus
“pais”, lá está ela de pé já choramingando pelo seu iogurte, maçã, pera ou
banana fresca. É o seu café da manhã predileto! Saciada e com tanta energia
para gastar, ninguém mais segura ou controla a danada dentro de casa. Depois de
rodopiar a casa inteira, de cima a baixo, entrar nas gavetas dos armários,
subir no telhado, Pretinha parte para o quintal para escalar as árvores e
brincar com os insetos e pequenos animais. E sempre que sente fome, lá está ela
novamente aos pés de sua “mãe” choramingando por comida.
Quem vê Pretinha assim, cheia de
energia e vida, não imagina o que ela já enfrentou para sobreviver. Pretinha
foi encontrada abandonada no meio da floresta, ainda recém-nascida. Provavelmente,
seus pais tenham sido vítimas de algum caçador, pois do contrário, não
imaginamos uma mãe abandonar seu filhote tão indefeso à sorte da floresta. Foi a
sorte e o choro desesperado que fizeram Pretinha ser encontrada por um
agricultor que o levou para sua casa. Pequenina, magrinha, toda molhadinha e
tremendo de frio. Seu estado requeria cuidados especiais. Sabendo disso, aquele
agricultor confiou ao casal Fabrício e Dinelma a responsabilidade pela guarda e
pelo cuidado daquele ser tão indefeso.
A partir de então, Pretinha
começou a fazer parte da família daquele jovem casal que, sem filhos, dedicou
todo amor e cuidado àquele ser adotivo. Ganhou um nome, uma rede, uma mamadeira
e o mais importante, uma família. Enfrentou vários problemas de saúde, mas
sempre resistiu com bravura. Quando bebê gostava de passear enrolada ao corpo
de seus “pais” e das crianças da comunidade. Seu colo preferido era o pescoço
das pessoas. Era assim que Pretinha passava várias horas do dia presa à sua
“mãe”. Mesmo quando Dinelma estava ocupada com seus afazeres domésticos,
Pretinha estava sempre junto, presa ao seu colo, obervando tudo.
Mas Pretinha cresceu e está
entrando na adolescência. E, como ocorre com os seres humanos, ela também tem
seus momentos de “aborrecência”. Está sempre aprontando alguma coisa. E quando
é chamada a atenção, fica emburrada. Quer ter a sua liberdade! Outro dia dormiu
fora de casa. Apareceu no amanhecer do dia, sabe-se lá de onde. O fato é que
ela apareceu assustada e com uma grande ressaca de sono. Talvez ela tenha
aprendido a lição e não volte mais a fazer algo parecido. Está aprendendo a
cantar. Toda vez que Fabrício põe seu hino favorito, ela esboça seus primeiros
versos.
Apesar de algumas mudanças
terem ocorridas na vida de Pretinha, ela ainda mantém algumas rotinas de seu
tempo de bebê. Sua soneca depois do almoço, por exemplo, é sagrada. Mas antes,
tem que arrumar a sua cama e fazer cafuné ou cócegas em suas patas até a
bichinha adormecer abraçada ao seu boneco de pelúcia.
Esta é a história de Pretinha,
um filhote de macaco guariba. Mas poderia ser a história de qualquer criança,
já que Fabrício e Dinelma a tratam como filha. Apesar do amor com que criam
aquele animal, o casal está preocupado com o seu futuro. Mesmo que lhes custe
muito pensar numa possível separação, eles estão procurando um novo lar para a
guariba. A danada está desobediente e tem tentado escalar os postes de energia
elétrica da comunidade. E temendo um acidente que pode lhe custar a vida,
Fabrício e Dinelma estão pensando em doar o animal para alguma instituição ou
alguém que possa dela cuidar com a mesma dedicação e carinho, já que Pretinha
não sobreviveria, caso fosse devolvida à floresta.
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