quarta-feira, 13 de novembro de 2013

O HOMEM DE DUAS ALMAS



Sabe aquele ditado que diz assim: “Quem vê cara não vê coração”? Pois é, serve para caracterizar quem aparenta ser uma pessoa, mas que no fundo é outra totalmente diferente.
Essa poderia ser a definição perfeita para sintetizar a personalidade desse senhor, cuja história vou ousar contar-lhe. Tentar contar, porque ninguém neste mundo já ouviu sua história por completo. Como ele mesmo dizia, “tem coisas que não devem ser ditas”. Mas não se frustre, caro ouvinte, porque o que ele conta é o suficiente para você não querer saber o restante da história.
Seu nome, David Dubin, talvez você nunca tenha ouvido este nome em sua vida, mas com certeza já conhece este senhor das propagandas de TV. David era um judeu com dupla nacionalidade e personalidade. Polonês de criação e brasileiro por falta de opção. Veio ao mundo em 1913, no alvorecer da primeira grande guerra. Como não bastasse ter nascido judeu numa terra que lhe negava, a vida ainda lhe reservara crescer no campo de batalha.
Batalha que lhe tirou o pai de sua vida quando ele era ainda um inocente garotinho de cinco anos. Esta mesma guerra que mais tarde lhe roubaria a mãe, a esposa, a filha de colo... Tudo o que ele tinha, tudo o que ele amava, tudo o que ele era.
Com a guerra, conheceu e viveu todos os horrores da vida. Viu e experimentou as maiores atrocidades que um ser humano pode cometer ao seu semelhante. Guerra, onde os amigos viram inimigos, onde um mata o outro e todos se matam. E ele, o David, também tinha mil motivos para matar e morrer. E quase morreu e quase matou, quase se matou. Um homem que decidiu ficar, que resolveu lutar, que fugiu. Fugiu para a vida. Viver, pelos seus, era o mínimo que podia fazer. Era a sua vingança!
No Rio de janeiro, longe dali, longe de ninguém, trouxe alguém, uma família para dividir o peso da solidão, para se curarem de uma ferida que nunca cicatrizará. Enfim, uma nova vida. Nova no sentido figurado, porque na realidade é impossível esquecer o que ficou para traz. Ele dizia que fazia questão de não esquecer nada. Essa era a sua energia, o motor que engrenava a sua vida. Porque esquecer era aceitar o acontecido como algo natural.
Portanto, se você chegou a ver o David nos comerciais de Tv, sempre sorridente, saudável. Você jamais desconfiaria que é o mesmo personagem real desta história. E quando alguém o encontrava pelas ruas e o saudava perguntado como o senhor vai, seu David, ele sempre respondia: “Tá tudo bem! Tem outros que estão pior”. Ele dizia que o racismo é um câncer mundial que precisa ser enfrentado.
E assim ele viveu o resto de sua vida, até os 90 anos. David Dubin, o homem de duas vidas, de duas almas e um só coração.

ESTA CRÔNICA É INSPIRADA NA OBRA “O VELHINHO DOS COMERCIAIS”, PUBLICADA NO LIVRO “A VIDA QUE NINGUÉM VÊ, DE ELIANE BRUN”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário