quinta-feira, 22 de agosto de 2013

A LENDA DO CARANGUEJO AMAZÔNICO

Imagem disponível em: http://www.blancodesigns.com.br  


Era tempo de inverno e a região do baixo Araguari sofria com o mau tempo. Eram chuvas intermináveis que se prolongavam por semanas. E a enchente provocada pela invasão das águas salgadas, trazidas pela pororoca, completava o caos vivido por uma humilde família de pescadores, às margens do indomável Oceano Atlântico. Já não se podia pescar por dias, pois a bravura do mar estraçalhava quem ousasse enfrentá-lo. E as poucas gurijubas salgadas estavam perto do fim. Já não tinham mais pó de café, açúcar e farinha, pois o isolamento do local e o mau tempo os impediam de chegar até a sede de Amapá para fazerem compras.
Os dias se passaram até que nada mais restou. Desesperado Seu Bebé, chefe daquela família, tomou uma importante decisão. Reuniu-se a todos e disse:
- Não podemos esperar o tempo mudar. Estamos sem mantimento e já estamos passando necessidade. Tenho que sair em busca de comida no mar.
Sua esposa o contestou:
- Mas sair com esse mau tempo é muito perigoso!
Todos os conselhos de Dona Maria foram em vão. Bebé colocou a malhadeira e o espinhel em seu batelão à vela e sumiu por entre as pesadas chuvas. Apesar de ser pai de sete meninos, preferiu não levar nenhum deles. Disse: - caso aconteça algo, a desgraça será menor.
Como a chuva era tanta e o sol estava encoberto pelas nuvens negras, passava-se o dia todo com as lamparinas acesas para iluminar o ambiente. Sem outro medidor de tempo que não fosse os sinais naturais, aquela família se desesperava à medida que a maré secava. Passou-se a noite e nenhum sinal do seu Bebé. Para consolo daquela família, naquela manhã a praia em frente da casa amanheceu tomada por uma espécie de animal com casco e patas, nunca vistos antes por aquelas bandas. Como não se tinha outra coisa para comer e a fome era tanta, as crianças juntaram os animais e pediram para que sua mãe os cozinhasse. Só que na hora em que Dona Maria os lavava para por na panela, uma imagem naqueles pequenos animais abalou suas estruturas emocionais. Logo um grande arrepio lhe tomou o corpo. Assustada, ficou emudecida e apenas as lágrimas começaram a lhe escorrer pelo rosto. Não era para menos, ela acabara de reconhecer o corpo de seu esposo esculpido no casco daqueles animais.
Muito chocada, Dona Maria cozinhou aqueles animais e, para não causar pânico nas crianças, tirou todos os cascos antes de por na mesa para seus filhos comerem. Naquele dia, Dona Maria não comeu, pois recusava-se a acreditar que poderia estar comendo a carne de seu marido. Mas como a fome só aumentava com o passar do tempo, Dona Maria teve que ceder aos seus credos. E foi graças aqueles animais que puderam sobreviver àquele tenebroso inverno.
Passado o mau tempo, os filhos de Seu Bebé quiseram sair pelo mar em busca do pai, mas Dona Maria sabendo que seria em vão, resolveu revelar toda a história a seus filhos que ficaram arrasados. E para esclarecer toda aquela situação, Dona Maria mandou chamar o melhor pajé da região para fazer um serviço em sua casa. Dizem que o espírito de seu Bebé baixou no corpo do pajé e falou que no dia em que saíra para pescar, seu batelão foi arrasado pela pororoca e que, em seu último minuto de vida, pediu a Deus que não tornasse sua morte em vão. Foi então que Deus resolveu transformar o seu corpo em caranguejos para poder alimentar a sua família.
Graças a esse milagre divino, aquela família sobreviveu e cresceu e hoje formam uma grande Vila Oceânica com o nome de Sucuriju, distrito do município de Amapá, que, ainda isolada dos centros urbanos, até hoje sofre com a falta de investimentos públicos para a melhoria da qualidade de vida daquela população, principalmente com o abastecimento de água potável e remédios. Mas o legal disso tudo é que os caranguejos se multiplicaram pelos manguezais da redondeza e tornaram-se um dos principais alimentos e fonte de renda daquele povo no período de inverno. Pena que a captura descontrolada da espécie feita por pessoas não ligadas a comunidade tem provocado a escassez de caranguejos naquela região nos últimos anos. E para quem não acredita nesta história pegue um caranguejo da Vila de Sucuriju do Amapá e você verá o corpo de seu Bebé perfeitamente esculpido em seu casco. 

Autor: Paulino Barbosa

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