sexta-feira, 16 de agosto de 2013

PÁTRIA ADOTIVA

Imagem: http://www.melhoracadadia.com


Depois de ter nascido e passado mais de vinte anos trancafiado numa caverna, fui resgatado por três caçadores, o Petrus, o Vincis e o Lênin. Eram velhos amigos de faculdade e, mesmo morando em países diferentes, sempre se encontravam para praticarem a caça esportiva. Eles se tornaram meus grandes amigos e dos quais recebi ajuda para me incluir no mundo.
O primeiro lugar que conheci foi o Reino de Gizar, para onde seguimos depois que saímos daquela ilha deserta. O Petrus era herdeiro do rei daquela nação. Viviam num suntuoso palácio, cercados de luxo e riqueza. Fui convidado por Petrus para morar ali, mas antes me possibilitei analisar melhor aquele lugar. Percebi que o poder naquele reino era centralizado nas mãos do rei que, por todos, decidia os rumos da sociedade. Ninguém tinha possibilidade de escolher o seu governante. A sucessão do trono se dava por meio da hierarquia dentro da família real. Parece que o único critério para ser rei era ter sangue real e obedecer a linha hierárquica da família. Achei isso ridículo! Como é que uma pessoa pode se considerar governante apenas por critérios subjetivos, sem a legitimação de seu povo. E o pior é que as pessoas daquele reino pareciam achar isso normal. Estavam sempre felizes e adoravam o rei. Mas ali não havia democracia e isso impedia o exercício da cidadania pela população. A sociedade vivia sob o regime da domesticação e aceitava todas as decisões emanadas do rei sem reclamar. A população parecia aquelas formiguinhas da floresta, cada qual no seu lugar realizando a sua tarefa dia após dia. E aceitar essa condição é o mesmo que aceitar viver o resto de sua vida governado por um sujeito a quem você não deu o direito de decidir o que é bom ou ruim para a sua vida. Sendo assim, eu preferia voltar a viver na caverna. Lá pelo menos não tinha um rei que se achava dono do lugar.
Resolvi então viajar com o Vincis. Ele teve que retornar ao seu país por conta de que sua nação passava por um processo eleitoral e ele precisava votar. Ao chegar ali me defrontei com inúmeros problemas sociais. Pobreza, violência, corrupção, inflação, eram alguns dos problemas visualizados. Vincis me falava que aquela seria a terceira eleição que ocorria nos últimos dois anos. Por causa da crise econômica vivida pelo país, a população já havia destituídos outros três governos. Ali, o governo era formado por um colegiado eleito pela população adulta. Só que apenas dois partidos se revezavam no poder por anos. Não havia outros concorrentes por conta do alto custo da campanha. Pensei em ficar ali, pois apesar da crise, foi a primeira vez que vislumbrei possibilidades de transformação social. Lá conheci um pouco dessa tal democracia. Naquele país o poder de representação era delegado pela própria população. A ideia do grupo eleito pelo povo para governar o país me pareceu um grande avanço em relação ao reino de Gizar. Só que havia um problema, o direito do cidadão se limitava a escolher ou destituir seus governantes. As demais decisões eram tomadas pelo colegiado e quase sempre não correspondiam aos anseios da população. Os colegiados estavam mais preocupados em se manterem no poder, promovendo caras campanhas, do que melhorar a condição de vida de sua população.
Mesmo sabendo que poderia não encontrar em outro lugar maiores possibilidades de mudança, resolvi arriscar. Liguei para o Lênis e pedi-lhe que me hospedasse em seu país. Era uma pequena nação da América Latina. Sua população era bastante diversificada, étnica e culturalmente. O país era governado por um presidente, eleito diretamente pela população, com exceção das mulheres e analfabetos. Não entendi porque as mulheres e os analfabetos não podiam participar do processo político naquele lugar, já que eram considerados cidadãos. Só que ali, pela primeira vez, vi a população participando do processo político mais intensamente. A sociedade era formada por diversos grupos sociais organizados e que tinham voz e vez dentro do sistema político. A pluralidade partidária possibilitava um debate mais aberto e mais comprometido com as causas sociais. Apesar das mulheres e analfabetos ainda estarem alijados do processo eleitoral, essa era uma situação que poderia ser revertida futuramente.
Através desse contato com diferentes realidades pude perceber que cada sociedade tem um modo particular de se organizar politicamente. E cada sistema tem seus pontos positivos e negativos para mais ou para menos. E que a sociedade igualitária, perfeita, ainda está um pouco distante dos nossos dias. Mesmo assim, ainda prefiro viver num país que me possibilita pensar em mudanças. E é aqui que eu vou ficar!

Texto apresentado ao Programa Missão Pedagógica no Parlamento - Brasília/DF

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